quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Resumo: Audiência - Len Masterman

Audiência

Len Masterman

A audiência é o foco de atenção dos pesquisadores dos meios de comunicação. Segundo o autor, há duas razões para a educação audiovisual ter se descuidado desse assunto como área de interesse. A primeira é por causa da herança da cultura literária. Acreditava-se que os significados textuais produzidos pelos autores eram inerentes dos documentos, o que significava que a interpretação se convertia em uma atividade inocente do ponto de vista ideológico, que tinha lugar em um vazio social e histórico em vez de ser uma construção que refletia ou era oposta a posições ideológicas dos leitores. A segunda porque se acreditava que as audiências eram receptores de mensagem.

No geral, as pesquisas consideravam mais importantes os números, por exemplo: de espectadores de um determinado programa, de entrevistas feitas, sem a preocupação com o significado das análises da audiência e o conteúdo da comuni­cação. A pesquisa sobre “uso e gratificação” foi um avanço em relação aos modelos anteriores porque planejava uma visão mais favorável e ativa da audiência. Segundo as palavras de James Halloran, os pesquisadores deixaram de pensar no que os meios fazem com as pessoas, mas sim, no que as pessoas fazem com os meios; considerava as audiências como usuárias ativas que escolhiam os meios com base em seus valores e na probabilidade destes satisfazerem suas necessidades concretas.
Na visão de Bonney e Wilson, a pesquisa do uso-gratificação dizia pouco sobre a maneira como os desejos ou necessidades eram produzidos, nem sobre o papel ativo dos meios nesse processo. Desde 1980, muitas pesquisas importantes foram publicadas sobre esse assunto. Elas eram voltadas para as aplicações no desenvolvimento da educação audiovisual e foram bastante significativas.

CONTRIBUIÇÕES DE MORLEY, HOBSON E SMYTHE:

David Morley estudou a resposta da audiência a um programa de revista de televisão. Baseava-se nas reações de 29 grupos de diversas camadas sociais e culturais. Morley pretendia examinar a possível falta de adequação entre as intenções das mensagens dos produtores na emissão das mesmas e as interpretações das audiências. A análise levou em conta as psicologias individuais dos grupos, como também a relação com as diferenças subculturais e socioeco­nômicas. Pretendia verificar em que medida as leituras individuais se organizavam em estruturas e coletivos do tipo cultural. Membros de grupos diferentes interpretavam a mesma mensagem de forma diferente, porém não meramente no nível individual, mas de maneira relacionada sistematicamente a sua posição socioeconômica. Ou seja, é preciso ver como a decodificação da mensagem pelos diversos setores da audiência vem determinada pelas diferentes estruturas e formações subculturais.

A implicação do enfoque da decodificação traz conseqüências para a educação audiovisual, como também para as interações educativas. O significado não está no documento, nem na interação entre a audiência e o documento.

Os professores devem estar sensíveis e atentos, pois o que os alunos contribuem para a matéria será tão importante como o conhecimento da própria matéria e a sensibilização deles com relação a ela. A transformação de alunos receptores passivos das comu­ni­cações de outros para ativos criadores de significados deve ser libertadora para ambos e também contribuir para um diálogo autêntico na aula. A abertura produtiva e a troca de opiniões e experiências, mediante o diálogo, não significa que sejam aceitas sem objeções. Da mesma forma que o professor deve reagir com rigor a expressões de racismo, sexo e outras indesejáveis, ele deve aceitar o direito dos alunos de criticar as suas certezas.

O objetivo do diálogo na aula consiste em questionar determinados juízos, inclusive do professor, situando o modo em que estes estão sistematicamente relacionados com códigos e formações subculturais mais amplos. De acordo com Morley (1980, p. 10), “a mensagem é uma estrutura polissêmica”.

Ser sensíveis às possibilidades libertadoras de fazer decodificações diferentes não deve impedir de ver a importância de descobrir o significado dominante, codificado no texto. Há um grande esforço para averiguar os valores dominantes de determinados documentos e as técnicas que seus produtores utilizam para conseguir a aceitação e cumplicidade com a sua forma de pensar. É importante distinguir entre a leitura-desviadora, que se baseia no reconhecimento pleno dos significados dominantes no documento e as leituras dos significados aparentemente irrelevantes. O objetivo da educação audiovisual é proporcionar aos alunos as competências que lhes capacitem a esmiuçar de forma mais completa possível, um documento codificado, deixando para a audiência e os alunos, a interpretação e a aceitação do mesmo.
Morley sugere três marcos para situar uma pessoa que decodifica um documento, adaptando o modelo de Parkin y Hall, são eles:

  • Dominante – a decodificação se alinha com a codificação dominante ou marco interpretativo da própria mensagem;
  • Negociado – a pessoa que decodifica pode tomar em sentido amplo o significado tal como foi codificado, porém pode modificar e alterar em parte o significado, relacionar a mensagem com algum contexto mais concreto, de localização ou de situação que reflita sua posição e seus interesses;
  • Oposto – a pessoa que decodifica reconhece a codificação dominante, porém interpreta opondo-se a ela.
Na educação audiovisual deve estar integrada a noção de que as audiências realizam suas próprias operações ideológicas sobre os documentos, segundo alguns termos:

  • Os professores devem estar sensíveis e desenvolver um conhecimento próximo e minucioso das competências culturais e das diferentes subculturas que existem dentro de seus grupos, a fim de poder prever possíveis respostas que poderão aparecer em um determinado documento;
  • Essa compreensão, além de garantir e inspirar a prática docente, deve se estender aos alunos no sentido de que possam ter maior consciência das raízes sociais e subculturais de seus próprios juízos.
  • Tanto professor quanto aluno devem ampliar o exame dos documentos dos meios, incluindo a eles uma análise sobre a maneira como são compreen­didos pelas audiências.

O estudo de Dorothy Hobson investiga o fenômeno que ocorre na relação da audiência com a telenovela Crossroads, da televisão britânica. O programa aparenta estar mal escrito, mal interpretado e mal produzido. A equipe de Crossroads roda três episódios por semana com um sistema de produção em série. Não há edição e pós-produção por questões financeiras. Por isso, os equívocos e erros são aparentes. Na própria companhia que o produz o trabalho é fonte de “piadas” e considerado de pouco prestígio.

A questão é que Crossroads possui uma enorme audiência, é esse o fenômeno que Hobson investiga: o enorme atrativo popular por um produto que possui poucos méritos intrínsecos. Isso é algo que incomoda os professores dos meios.

A pesquisadora pôde verificar nesse trabalho a maneira como as pessoas de idade se relacionavam com os meios, descobriu assim um segmento definido. Dessa forma, ficou clara a contradição nos comentários da crítica especializada em temas culturais que considera as audiências como “massas” indiscriminadas.

As conclusões de Hobson têm aplicações fundamentais na prática de educação audiovisual, entre elas:

  • A TV que pretende progredir e comunicar-se com a audiência deve libertar-se de críticas enraizadas e buscar outras formas de comunicação;
  • Os profissionais de rádio e TV devem reconhecer nas grandes audiências que não se pode depreciar nenhum segmento desse público nem os programas menos aceitos por ele;
  • Uma telenovela que atrai e conecta a experiência de um grande número de pessoas é uma obra de arte tão válida e valiosa quanto uma de teatro ou um documentário. Não é melhor nem pior, mas diferente com valores atribuídos que dependem da compreensão de sua audiência.

Tanto nas teorias de comunicação quanto nas de educação audiovisual deve-se ficar atento e ser sensível às respostas concretas das audiências reais a produção dos meios. É importante que o docente fique atento porque o uso de documentos populares e de pouco prestígio cultural requer que todos (pais e alunos) estejam informados dos objetivos do curso ou da atividade e do que se espera conseguir para evitar conseqüências negativas, mal-entendidos ou insatisfação. É por esse motivo, que a maioria dos docentes prefere usar estratégias convencionais consideradas mais seguras.

Como professores é preciso estar atentos para perceber o fator prazer-gratificação que os programas produzem nas audiências. Estar abertos e utilizar estas ferramentas para entender a particularidade da resposta, assim como os mecanismos do ensino audiovisual. Segundo Roland Barthes, para ser crítico deve-se ser também aficionado. Um ensino dos meios terá validade se entusiasmar seus participantes, se for atrativo, divertido, prazeroso e ao mesmo tempo instrutivo. O comprometimento do educador audiovisual deve ser com a participação no trabalho ideológico sobre a cultura popular. É preciso reconhecer e investigar a satisfação que experimentam e realizar um exame crítico para identificar quais são esses prazeres, analisar os valores implícitos no programa, compreender sua estrutura narrativa, técnicas teóricas ou estratégias de marketing.

Outro trabalho provocativo e substancial sobre audiências foi realizado por Dallas Smythe [1]que se enquadra nas teorias que consideram os meios dentro de uma “sociedade de massa”. Possui uma incidência profunda no desenvolvimento do ensino dos meios, pois trata da descrição dialética das audiências e dos meios considerada mais detalhada e completa disponível. A tese de sua obra mais importante Dependency road é de que os principais produtos dos meios de comunicação comerciais no capitalismo monopolizador são os poderes da audiência e não os programas, os jornais ou revistas.

Smythe compara a força da audiência com a força do trabalho. A diferença é que a audiência não recebe por seu trabalho, em vez disso paga-se ao proprietário dos meios que, por seu lado, produz a força da audiência.

Houve uma mudança de comportamento: os clientes, agora, servem-se a si mesmos, não recebem informação de que necessitam, fazem fila no caixa para pagar e transportam as compras para suas casas por seus próprios meios.
Segundo o pesquisador, os meios de massa são “indústria de convencimento” cujo produto principal são as pessoas que estão dispostas a comprar bens de consumo, pagar impostos, trabalhar em empregos alienantes para prosseguir comprando no dia seguinte. A outra forma de persuasão produzida é a política que inclui os meios comerciais como também o de instituições públicas. O pesquisador situa os meios na base econômica.
Os professores dos meios devem promover aos alunos oportunidades de examinar os jornais e materiais, comuns na indústria, que tratam descaradamente as audiências como artigos de consumo.

A análise de Smythe obriga o professor dos meios a avaliar a significação que tem o processo dos meios não só as audiências, mas também a publicidade e as relações públicas. Está cada vez mais difícil fazer distinção dos meios aplicados a material publicitário ou não publicitário.
Por fim, sua tese fomenta que o professor de meios e estudantes avaliem até que ponto o conteúdo ideológico está subordinado ao tipo ideológico ou o comercial.
A audiência é um bem de consumo quando se vende em vez de vender notícia. Os boletins gratuitos são exemplos. Eles não têm obrigação com seus leitores, assim como as empresas de base de dados que vendem tipos de audiências específicos.

POSICIONAMENTO DA AUDIÊNCIA

A relação entre a audiência e o documento é dialética. Como membros da audiência, somos responsáveis pela compreensão do documento. A posição que ocupamos em relação a um documento nos dá a entender que somos convidados a ocupar um espaço social.

Em um noticiário, a posição diferente garante que alguns aspectos da experiência devem ser aceitos (os fatos) enquanto outros requerem nosso juízo (as opiniões). A diferença entre fato e opinião está na maneira que nos situamos frente aos diferentes aspectos da experiência.
Em outras situações, o espectador pode fazer parte de dois lados de um cenário e assim ter pontos de vista diferentes, experimentar outras posições o que favorece o entendimento das complexidades da situação apresentada.

Nos programas de debate via rádio, o moderador se dirige de forma diferente para os ouvintes e o público presente. Também há o processo de seleção e filtro de som. Segundo o autor, a manipulação do som é uma das formas de controle social mais sutis e menos apreciadas exercidas pelos meios.

Nos programas de concurso a recompensa vai para a conformidade e não para a originalidade. A disposição dos participantes em círculo é um motivo visual e metafórico durante o espetáculo. Remete aos círculos familiares onde há competição sem conflito e rivalidade sem antagonismo.

Por fim, a contemplação faz com que os espectadores vejam e comentem de uma posição privilegiada, com segurança, proteção e superioridade. No entanto, essa aparente distância é ilusória visto que como parte do público, somos os destinatários desta visão. A atividade de olhar poucas vezes é tão inocente quanto parece.

Uma vez que tenhamos captado a riqueza e diversidade das interações possíveis entre documento e audiências, podemos entender os modelos de comunicação que conceituam essas audiências como receptores de mensagens ou como usuários dos meios para sua própria gratificação.

SUBJETIVIDADE

A educação audiovisual não dava atenção às audiências por causa da influência literária, uma vez que as consideravam como leitores autônomos que possuíam consciência livre. No entanto, Catherine Belsey chama a atenção para o tema subjetividade, indicando-o como um estudo complexo nos meios.

De acordo com texto a noção de sujeito é ambígua. Se por um lado sugere que o indivíduo é livre, autônomo e atua sem coação, por outro, ele é considerado como possuidor de uma identidade fixa, inalterável, incapaz de transformar a si e o mundo em que vive. Isso significa que as estruturas são atemporais e inevitáveis, mas ao mesmo tempo aceitáveis porque não foram impostas.

Para Althusser, ser sujeito significa ter uma subjetividade livre, ser autor e responsável de suas ações, mas também submeter-se a uma autoridade superior e despojar-se de toda a liberdade, exceto a de aceitar livremente sua submissão. Segundo ele, a função da ideologia é interpelar ou requerer os indivíduos enquanto sujeitos. O processo de interpelação começa antes do nascimento e prossegue na estrutura familiar nas práticas que acompanham a criança na educação.

Não se prestou atenção nas implicações desse processo nas atividades de aula. Pode-se dizer que ao ler um documento dos meios, o aluno terá que estar aberto para a maneira como sua própria consciência se “põe em jogo”. Terá que examinar o modo como é interpelado por um documento de forma direta ou implícita, na posição de sujeito que é oferecida (nos filmes ou na TV) a um tempo física e ideológica.

GOSTOS/SATISFAÇÃO

No ensino audiovisual os alunos quando são provocados a comentar os documentos dos meios logo atribuem juízo de valor e os associam à satisfação ou a seus gostos. O ideal é que seja feita uma investigação do documento antes de emitir uma opinião.

Por que o cuidado na análise dos gostos? Entre elas estão: o uso do lúdico do tema que destacam os aspectos positivos e prazerosos pode estar escondendo outros aspectos ligados às formas de opressão; falta de motivação de professores e alunos, resultado de experiências negativas ocorridas; a árdua tarefa de questionar a satisfação para evitar que ela seja um artefato da ideologia dominante.

O gosto ou satisfação é uma categoria muito questionável no uso dos meios. Há muitos tipos, alguns que se excluem entre si. Há a tendência do professor em tentar repassar os seus próprios gostos a seus alunos. No entanto, deve ser um processo bidirecional. Os alunos devem ter a oportunidade de compartilhar seus gostos com os professores e entre o grupo. Por isso, os conteúdos do ensino médio devem ser negociados. Em uma educação audiovisual não se deve destruir os prazeres, mas sim buscar maneiras de ampliar e proporcionar formas diferentes de desfrutar com consciência.

Há riscos porque alguns gostos não se podem repartir porque as pessoas podem sentir-se incomodadas ou ofendidas. Pode haver elementos que todos gostem, porém é preciso refletir se os interesses não estão vinculados a fins duvidosos ou opressivos. Por exemplo, diante de uma situação dramática é preciso ter cuidado para avaliar se não está se tentando conquistar para uma causa, personagens ou idéia que não se aceitaria se houvesse um pouco mais de tempo para refletir sobre o assunto. Em outros casos, se por meio de uma situação cômica não se está passando um conteúdo racista ou sexista. Trata-se de uma dificuldade para os professores porque eles devem alertar para esse tipo de situação, visto que os alunos estão suscetíveis, por causa de seus valores em formação ainda superficiais.

Em vez de atacar, o melhor é incentivar os alunos a questionarem e refletirem com mais profundidade sobre seus gostos, como são produzidos e as questões ideológicas que estão em jogo.

Uma forma menos inquietante é analisar as possíveis conexões estruturais entre a crença dominante e os modos dominantes de produção do prazer.

É preciso reconhecer a possibilidade de que a satisfação que se obtém de um meio pode ter sido produzida com a intenção de conseguir um consentimento para formas de opressão e dominação a que se é claramente contrário.

O professor não deve defender um ponto de vista determinado, mas promover uma esfera de confiança que possa produzir uma reflexão madura e séria sobre estas importantes questões.

REFERÊNCIAS:

ALTHUSSER, Louis. Ideology and ideological state apparatuses. Lenin and Philosophy and other essays, New Left Books. 1971.
BELSEY, Catherine. Critical Parctice, Nethuen, 1980, p. 73.
HOBSON, Dorothy. Crossroads. The drama of a soap opera. Methuen, 1982.
MORLEY, David. The “Nation-wide” audience. Television Monograph nº 11. The Britishi Filme Institute, Londres, 1980.
SMYTHE, Dallas. Dependency Road. Communications, Capitalism. Ablex. New Jersey, 1981.

Comentário sobre o texto:

Este capítulo foi determinante na minha opção de aprofundar o assunto nos meus estudos de educação a distância. Pude perceber como é importante analisar todo material que é produto dos meios, para evitar formas de manipulação e descobrir o que está por trás de cada peça. Percebi que preciso ter um olhar mais atento até mesmo para mensagens que possam parecer inocentes por um lado, mas que precisam de averiguação quanto à sua origem, o processo de construção e sua intenção não explícita. Como consumidora dos meios, ficarei mais atenta; como educadora, procurarei despertar meus alunos para um olhar mais crítico.

[1] Dallas Smythe é economista marxista canadense.

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